domingo, 23 de agosto de 2009

Ele era o cara!


Ele era o cara!
(Milton – in memória )

Era um profissional exemplar. Um torneiro como poucos.Ouso dizer que era “o melhor”, no torno e na cozinha!
Fazia o melhor caldo de mocotó da região.
Logo cedo, tirava a “Creusa” da garagem e dava uma voltinha no quarteirão pra matar a saudade de uma noite inteirinha longe dela.
Que “Creusa”? Era esse o apelido da caminhonete F1000 cabine dupla, que ele tanto amava. Cuidava dela com um carinho sem igual.
Nos fins de tarde, lá vinha ele...banho tomado, cigarro entre os dedos, todo perfumado e sorridente. Eu, não me continha em cheirá-lo. Ele dizia que o perfume era pra atrair as gatinhas.
Quem ouvia ele falar e sorrir safadamente, até acreditava que era um garanhão de mil mulheres. Propaganda enganosa!
Dona Tânia não dava mole. Era o homem dela, vivia espantando a mulherada, enquanto ele alisava o bigode e gargalhava.
Tinha mil defeitos, mas suas qualidades eram os defeitos elevados a quinta potência,ou seja, era “bona gente”, como ele mesmo dizia.
Naquele dia, ele se levantou cedo , como sempre fazia, banhou-se, fumou seu cigarro e foi na padaria comprar pão. Ao voltar sentiu-se mal. Sentia dor no peito quando chamou Dona Tânia que neste momento tomava banho. Apressou-se para ajudar o marido. Rapidamente levaram ele ao posto médico, que encaminhou ao hospital. Diagnóstico: Infarto do miocárdio.
Foi levado a UTI, onde ficou sob todos os cuidados.
Estava bem, mas o exame era necessário, assim como a Angioplastia. Era preciso desobstruir a artéria.
Foi então encaminhado a outro hospital, pois o convenio recusava-se às despesas e o hospital não realizava tal procedimento que ele necessitava.
Uma vez transferido, instalado e examinado, foi submetido ao procedimento necessário.
E ali estava, atrapalhando o exame, o maldito efeito do cigarro. Veias enrijecidas pela nicotina, não permitiam a passagem do cateter. O trombo movimentou-se obstruindo outra artéria e causando uma parada cardíaca.
E lá se foi o nosso amor!
Reanimado...UTI...diagnóstico:
“Apenas um milagre poderia salva-lo”.
Nós, que já orávamos, oramos ainda mais e uma corrente se formou. Mas, Deus já havia tomado a sua decisão. Precisava do melhor torneiro da terra para ajudá-lo na grande obra em andamento no céu. E levou o nosso amor! Assim...em um único sopro...Ficou apenas o vazio. As coisas que não fizemos porque sempre deixamos pra depois, pensando que sempre temos tempo.
Eu não aprendi fazer caldo de mocotó...faltou-me tempo...e agora não há mais tempo!
Passei o perfume nele, mas não tinha cheiro. Talvez porque o corpo não tinha vida. Cheirei o frasco e não tinha o mesmo cheiro. O cheiro que eu gostava era uma mistura do perfume com o cheiro dele. Perdeu a graça, perdeu o sabor!
Agora os dias se arrastam, as lágrimas rolam, os “porquês” martelam os pensamentos. Porque fiz? Porque não fiz? Porque não disse? Porque o fiz chorar? Porque, porque, porque...
Nenhum resposta acalma os ecos das perguntas, nem ameniza a dor ou traz ele de volta. Nenhuma resposta conserta o que fizemos, ou muda o que não fomos.
Quisera que tudo isso fosse só um pesadelo.
Que ao meu beijo ele acordasse e fosse outra vez o príncipe da Dona Tânia fazendo-a sorrir outra vez!
Quisera desfragmentar o tempo, estreitar esses dias de dor intensa e fazê-los sumir em um único delete.
Quisera convencer a “ELA” que estava enganada, que não era ele e nem a hora era essa!

Rosane Oliveira

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